Antonio Carlos Jobim deve ser o maior nome da música brasileira. Certamente o mais universal, o grande responsável pela internacionalização da cultura brasileira. O samba é o húmus da música brasileira, mas foi a bossa nova (um samba económico) que se infiltrou primeiro no jazz e mais tarde nas músicas de dança dos anos 90. E Jobim está por trás desta revolução que ainda não teve fim. Por isso esta excelente biografia escrita por Sérgio Cabral deve estar entre os primeiros livros a ler sobre música brasileira (outro poderá ser a história da bossa nova por Ruy Castro). Jobim foi um compositor imediatamente consagrado nos EUA mas as viagens ao estrangeiro, que ele fazia apenas pelo trabalho, nunca o afastaram da realidade brasileira, pelo contrário, as suas principais referências, os seus mestres, eram brasileiros (além de uns quantos americanos e franceses) e os artistas contemporâneos que ele mais admirava eram brasileiros, como Chico Buarque. O pai de Jobim era escritor e, apesar de não ter conhecido o pai, a literatura tornou-se foi uma das paixões do compositor. A exigência de letras de grande qualidade, em português e em inglês, foi uma constante do trabalho de Jobim. Um dos seus grandes desafios foi encontrar boas versões em inglês das suas músicas. Embora tivesse sido um renovador da música popular brasileira, a sua música fechou um período muito especial da história da música, através da assimilação da lição dos grandes mestres do passado (Villa-Lobos, Ari Barroso). Jobim surgiu nos EUA como o grande herdeiro dos mestres do american songbook, num momento em que eles desapareceram com o advento do rock. Jobim é exatamente contemporâneo deste estilo revolucionário, mas nada teve a ver com ele, aliás detestava-o. Apesar de ser acusado por alguns de americanizado, Jobim foi sempre um compositor brasileiro nas referências, e a influência estrangeira na sua formação vinha do passado. Sérgio Cabral escreveu uma biografia completa, equilibrada, mas penso que falta aprofundar a vida americana de Jobim. Muitas citações de personalidades que trabalharam ou se cruzaram com Jobim não foram recolhidas por Cabral para o livro, mas já existiam em revistas, discos, depoimentos, e foram aproveitadas por ele. Sabemos por exemplo da rotina de Jobim no Rio, que aliás não muda ao longo dos anos, a não ser o nome dos bares frequentados, mas pouco sabemos da sua rotina americana, para além de permanecer em casa (ou hotel) e ir para os estúdios gravar. Foi uma das coisas que me surpreendeu: Jobim nunca se mudou para os EUA como Carmen Miranda. Só ia lá a trabalho. Jobim é de tal forma gigante que merecia uma biografia monumental, como a de Mahler, em vários volumes. Tal como está escrita por Cabral, está muito bem. Leitura (2016) em Vila do Conde 5/5